O silêncio da morte

Há 28 anos, uma cobertura que sempre me visita

Rua Luís Orsini de Castro, 1996: 99 homens e mulheres

Tem gente que diz que é defesa, eu acho que é falta de noção, mesmo. Estou falando de mim e das minhas brincadeiras estúpidas sobre aviões nas centenas de voos que fiz em 42 anos de profissão, boa parte deles em coberturas internacionais. Como sou meio maluco, tenho catalogadas minhas viagens para cobrir corridas: 197. Não é pouca coisa, considerando que nessa lista quase todos os voos foram para a Europa e a Ásia, horas intermináveis a bordo de boeings e airbuses. Enfim, avião e aeroporto não são novidades para mim. Não tenho medo de voar, durmo em qualquer poltrona e já cometi a inominável indelicadeza de ler “Caixa-preta”, livro de Ivan Sant’Anna (Objetiva, 2000) num voo, o que deve ter causado engulhos no passageiro ao meu lado. Não foi de propósito, era apenas um livro, mas não se lê um livro desses num avião.

Minha frase padrão, principalmente quando alguém da turma demonstrava alguma apreensão – o Reginaldo Leme tinha pavor de avião pequeno e a gente pegava uns teco-tecos de Nova York para Montreal –, era: não se iludam, navios afundam, carros batem, aviões caem. Não tinha graça nenhuma, às vezes na chegada a algum destino alguém falava das turbulências, outro citava o raio que atingiu a aeronave, mais um mencionava o pneu que furou no pouso, e eu nunca sabia de nada, estava sempre dormindo, e não raro, não mesmo, sonhava que o avião estava voando baixo, entre prédios, as asas milagrosamente desviando de prédios e postes, e eram sonhos recorrentes, mas não aterrorizantes o bastante para me tirar do sono, assustado. Só acordava para comer.

Sou meio esquisito, constato, quando revisito algumas memórias.

Já cobri acidentes aéreos.